Louça, sua louca

A pandemia. A crise econômica. As crianças na rua, as aglomerações nos bares, as mensagens de ódio na internet, as partidas de futebol injustificadas, a louça na pia. Sim, a louça na pia.

Dos males que mais me amedrontam em tempos de quarentena, o acúmulo de pratos e copos e talheres é um dos piores. Eu sei que parece exagero – exagero até –, mas a imagem da pia abarrotada me causa arrepios diários.

Primeiro porque estamos mais do que nunca dentro de casa. E o itinerário quarto-banheiro-sala-quarto passa incontáveis vezes pela cozinha. Seja para preparar uma refeição ou beliscar algo na geladeira no meio da tarde, toda passagem por ali vale uma espiada de canto de olho a pia que, invariavelmente, pede por ajuda.

Segundo porque está clara a nossa capacidade sobre-humana de sujar a louça. Aqui em casa somos em dois, mas se você olhar para o acúmulo de utensílios depois de cada refeição, seria capaz de jurar que metade da torcida do Flamengo veio bater uma feijuca em uma terça-feira qualquer.

O que era para ser dois garfos, duas facas e um par de pratos se transforma em um amontoado de objetos que, sinceramente, mal fazem sentido. Não tinha feijão, mas tem uma concha suja; almoçamos lasanha e encontrei dois hashis embebidos em shoyu; não era noite de sopa, mas temos quatro colheres no fundo do lavatório.

É colher de pau, é pia de pedra, é o fim do caminho.

Isso sem falar nas taças e copos. Desconfio que os nossos tenham saído do filme dos Gremlins e, ao receber um pouco de água nas costas, se proliferem em progressão geométrica. Juro que deixei duas taças de vinho em cima da pia na quinta a noite e, quando acordei na sexta, haviam seis. Até cogitei a possibilidade de nossos gatos estarem aperfeiçoando sua técnica em detectar o tanino e as notas cítricas durante as madrugadas, no entanto fui desencorajado.

E enquanto o mundo se preocupa com uma possível guerra entre China e Estados Unidos, eu me preocupo com outro tipo de americanos: os copos. Deixei um na pia e acabei de reparar que eles já estão me encarando em quatro. Seja o que Deus quiser, pra cima deles!