parece que foi ontem.

Parece que foi ontem que a gente travou. Que sussurramos desconfiados sobre as notícias no café, que fitamos por horas a tela do celular, que (sinceramente) não botamos muita fé e que pensamos que logo, logo tudo isso iria passar.

Parece que foi ontem que a gente hibernou. Que acabamos com o estoque de álcool gel, que compramos papel higiênico para três anos, que disputamos máscaras na velocidade cinco do créu – mesmo que fosse trapaceando.

Parece que foi ontem que a gente chorou. Que voltamos a assistir ao jornal todo dia, que pedimos aos nossos que se cuidassem, que aprendemos o que diabos é cloroquina e que vimos os médicos em alarde.

Parece que foi ontem que a gente mudou. Que a casa virou escritório, que o escritório virou deserto, que estádio de futebol virou ambulatório e que perdemos a noção do que tá errado ou do que tá certo.

Parece que foi ontem que a gente enlouqueceu. Que assistimos lives até cansar, que fizemos vídeo chamadas sem parar, que pedimos delivery sem conseguir pagar e que adotamos mais um cachorro só pra poder amar.

Parece que foi ontem que a gente normatizou. Que inventamos duzentas normas, que ganhamos os quilos da quarentena, que percebemos que o vizinho do 71 tá sempre em reforma e que o do 62 só assiste o Datena.

Parece que foi ontem que a gente calou. Que perdemos o senso de revolta, que fingimos estar presos, que paramos de olhar em volta e que nos contentamos em ser um pouco menos.

Parece que foi ontem. E ontem fez um ano.